Por onde anda Carlos Marques? Pioneiro em levar a ayahuasca aos centros urbanos brasileiros | Por Juarez Duarte Bomfim

Carlos Marques, jornalista da revista Manchete, foi o responsável por levar ao conhecimento nacional a ayahuasca e a figura do Mestre Raimundo Irineu Serra. Durante sua visita ao Acre, Marques participou de cerimônias espirituais e foi profundamente impactado pela bebida sagrada e pelos ensinamentos do líder religioso. Apesar do tom sensacionalista de sua matéria, ele reconheceu o valor espiritual da experiência. O episódio também marcou o início da difusão do uso urbano da ayahuasca, influenciando personalidades como Gilberto Gil e a cultura tropicalista dos anos 1960.

Em 1968, a revista Manchete envia o jornalista Carlos Marques e um fotógrafo à distante Cidade de Rio Branco, capital do Acre, para dar notícias deste recôndito rincão brasileiro, desconhecido de muitos.

(As revistas semanais Cruzeiro e Manchete eram os principais meios de comunicação impressa da época. Formadores de opinião de alcance nacional).

Ao chegar ao Acre, com pauta aberta, Carlos Marques decide procurar as autoridades locais, entre elas o bispo da Prelazia do Acre e Purus (atual Diocese de Rio Branco), Dom Giocondo Maria Grotti, italiano, desde 1962 bispo-prelado na região.

– Senhor bispo, quais os problemas que o senhor enfrenta aqui na sua Prelazia?

Perguntou o jovem jornalista a Dom Giocondo. O bispo abriu as páginas de um jornal local, com matéria difamatória sobre a humilde comunidade rural do Alto Santo, de homens negros, e respondeu mais ou menos assim:

– Tem um feiticeiro negro, Raimundo Irineu Serra, que serve uma bebida que enlouquece as pessoas e as transforma em homicidas.

Juntando este depoimento à notícias da imprensa local destratando a humilde comunidade rural de homens e mulheres negros(as), Carlos Marques decide conhecer o tal bruxo, maranhense que migrou para o Acre no 1º Ciclo da Borracha, radicado na floresta amazônica desde 1912.

Dom Giocondo Grotti permanecerá à frente da Prelazia do Acre e Purus até 1971, quando morrerá num acidente de avião em Sena Madureira – Acre. Apesar desta visão intolerante da religiosidade popular e dos mistérios da Amazônia, o bispo se destacará como um defensor dos seringueiros da floresta contra a ambição e violência dos seringalistas, que os escravizavam e mandavam matar qualquer trabalhador rural que se opusesse ao sistema de trabalho escravo e à grilagem de terras.

Carlos Marques
Carlos Marques

Encontro com o mestre

Num jipe fretado, o jovem Carlos Marques, de 24 anos, ao lado do fotojornalista Vieira de Queirós, chegam à porta da modesta casa do sr. Raimundo Irineu Serra, que os esperava. Hesitante, pergunta:

– O senhor é o mestre Raimundo Irineu?

Pelas informações coletadas, ele esperava encontrar um idoso de 77 anos… mas à sua frente estava um negro alto, forte, sorridente, dentição perfeita, com aspecto de 50 anos de idade.

Sem responder, mestre Irineu Serra os convidou a sentar, frente à sua casa e, ao invés de falar de si, disse quem Carlos Marques era, em que dia nasceu, e o que fazia. Sabia que fora preso, torturado e que tinha uma cicatriz na coxa direita, feita por bala de revólver, quando da sua prisão pela Ditadura Militar brasileira (1964-1985). “Disse várias outras coisas que só eu poderia saber” – escreveu o jornalista.

Atordoado, Marques pergunta como ele sabia tudo isso, e a resposta foi enigmática:

– Você foi enviado a nós.

Convidado a entrar na pequena casa, chamou-lhe a atenção os garrafões de hoasca (ayahuasca) e uma placa com os dizeres ‘Centro de Irradiação Mental Tatwa Luz Divina’. O centro espiritualista-religioso de Irineu Serra era uma célula do CE – Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento.

Mestre Irineu mostrou-lhes os aposentos em que ficariam, recomendando que descansassem pois, para aquela noite, estavam convidados a participar de uma cerimônia.

Mestre Raimundo Irineu Serra, foto de Vieira de Queirós (1968)
Mestre Raimundo Irineu Serra, foto de Vieira de Queirós (1968)

Serventia do Daime

Quando o mestre Irineu esticou o seu longo braço para entregar um copo com “dois dados” (dois dedos) de daime (ayahuasca) a Carlos Marques, o jornalista lhe falou da impressão que o bispo Dom Giocondo tinha da bebida. O velho mestre riu, exibindo a poderosa dentição branquíssima, dizendo:

— O bispo não sabe de nada. Essa bebida nos leva a Deus.

Depõe Carlos Marques:

“Bebi, o gosto era amargo, mas rapidamente se transformava em algo delicioso na boca. A primeira coisa que me acometeu foi uma percepção aguçada, dos detalhes das minhas mãos, do que acontecia ao meu redor; minha visão tornou-se delirante, mas a sensação, no geral, era boa, muito boa. Senti certa levitação, certo desprendimento de mim mesmo, como se saísse do meu próprio corpo (…) fui tomado de uma sensação de paz e plenitude que durou quase a noite inteira”.

O jornalista ou 3 dias como hóspede de mestre Irineu. Pelo seu depoimento, foram dias intensos, de grandes descobertas e revelações, as quais ele nunca contou a ninguém.

Marques descreve 2 coisas do mestre Irineu, que não eram comuns no seu comportamento. A primeira é que, segundo ele, foram 3 dias de intensas conversações, de ensinos transmitidos pelo velho mestre. Contemporâneos de Irineu Serra afirmam que ele não era prolixo nas conversas, não era discursivo. Os ensinos doutrinários eram transmitidos pelo daime e no conteúdo das mensagens dos hinos.

A segunda coisa é que, de maneira inusual, ao se despedir do mestre, este lhe entrega um ‘corote’ de daime – provavelmente 5 litros.

(Mestre Irineu não fornecia o daime para ninguém, só excepcionalmente. Mesmo os adeptos, quando por alguma necessidade queriam tomar o daime, o procuravam na sua residência).

Escreve Carlos Marques:

“ei três dias lá, e ao me despedir, recebi de mestre Irineu um garrafão de cinco litros de auasca, para que eu partilhasse com pessoas em busca de iluminação. Eu sabia que nunca mais o veria, e que nunca mais voltaria ao Acre, mas ele fez um prognóstico final, que achei muito improvável:

“— Você voltará”.

(Sim, Carlos Marques voltou ao Acre 38 anos depois destes acontecimentos).

Casa de mestre Irineu Serra, à época da visita de Carlos Marques
Casa de mestre Irineu Serra, à época da visita de Carlos Marques
Carlos Marques (camisa branca) no Centro de Rio Branco - Acre, 38 anos depois. Foto: Altino Machado
Carlos Marques (camisa branca) no Centro de Rio Branco – Acre, 38 anos depois. Foto: Altino Machado

Carlos Marques, pioneiro em publicizar a ayahuasca na grande imprensa brasileira  

Este jornalista, Carlos Marques, foi pioneiro em publicizar a ayahuasca (daime) na grande imprensa brasileira. E também teve a primazia de apresentar ao país o senhor Raimundo Irineu Serra, mestre Irineu.

Raimundo Irineu Serra, fundador da Doutrina do Daime, é uma figura mitológica para os seus discípulos e devotos. Tanto para os antigos, que conviveram com ele, como para as gerações mais novas, não mais concentrados no Estado do Acre e sim espalhados por todo o Brasil e o mundo.

Sua biografia, seus causos, o belíssimo hinário onde expõe a sua doutrina cantada, a introdução do uso coletivo e urbano da bebida ayahuasca, por ele, faz desse hierofante brasileiro um mito, uma lenda, digno de veneração por seus seguidores.

Diploma de Raimundo Irineu Serra de Presidente de Honra do Tattwa Centro de Irradiação Mental Luz Divina
Diploma de Raimundo Irineu Serra de Presidente de Honra do Tattwa Centro de Irradiação Mental Luz Divina

A matéria da revista Manchete

A matéria da revista Manchete, edição n. 844, de 22 de junho de 1968, de título “EOSKA, o licor alucinantes das selvas”, assinada por Carlos Marques é, no todo, depreciativa.

Tanto que, quando Marques reencontrou a Madrinha Peregrina Gomes Serra, viúva de Raimundo Irineu Serra, pediu desculpas pelo conteúdo ofensivo de sua reportagem, pois a Manchete publicou uma matéria de teor discriminatório e desdenhoso.

— Eu não podia revelar que havia encontrado Deus — disse Carlos Marques à Madrinha Peregrina, dignatária do CICLU Alto Santo, instituição religiosa que o jornalista havia visitado 38 anos antes.

Revista Manchete, edição n. 844, de 22 de junho de 1968
Revista Manchete, edição n. 844, de 22 de junho de 1968

Análise de discurso

A matéria é rasa, como é mister numa reportagem de apenas uma página. O autor grafa o nome da bebida com o sotaque regional que ouviu: ‘eoasca’… mas de fato os caboclos amazônicos a chamam de hoasca ou ‘uasca’ (mais adiante, o repórter apresenta o nome ‘daime’ para a bebida). O primeiro parágrafo expõe bem o assunto, como introdução ao tema: “parece que tem um Deus dentro da gente”, afirma um depoente.

Todavia, o 2º parágrafo é recheado de desinformação, quando associa a beberagem amazônica a cerimônias cruéis praticadas por uma etnia indígena e a rituais de sacrifício humano realizado por seita fanática, no Brasil profundo.

No 3º parágrafo, Marques apresenta o nome e caráter da instituição fundada por Raimundo Irineu Serra, o ‘Centro de Irradiação Mental Tatwa Luz Divina’.

Sim, mestre Raimundo Irineu Serra foi formalizando e institucionalizando a sua agremiação religiosa lentamente, no curso de quatro décadas. Estimula os seus seguidores a se filiarem ao Círculo Esotérico da Comunhão do Pensamento – CE. Quando já com um certo número de inscritos,  funda o Tattwa Centro de Irradiação Mental Luz Divina, do qual era o Presidente de Honra. Isto se deu em 27 de maio de 1963, sendo o dia e numero 27 emblemáticos para aquela organização esotérica.

O Tattwa Luz Divina funcionava como qualquer outro das centenas de células do Círculo Esotérico espalhadas pelo Brasil. A particularidade e especificidade deste Tattwa estava no uso do Daime. E também na existência de rituais próprios, como os hinários bailados, exclusivo desta célula esoterista. As características do Tattwa Luz Divina fazia dele único, original. Pois mesclava a ritualística do CE com os rituais em construção da doutrina revelada a mestre Irineu Serra pela Virgem da Conceição, a Rainha da Floresta.

Na reportagem o jornalista escreve: “o Centro Tatwa é legalizado e recebe subvenções anuais dos governos federal e estadual, no montante de NCr$ 1.700,00”, isto é, 1.700 Cruzeiros Novos, moeda da época.

Marques faz então uma descrição do cotidiano do velho mestre, líder espiritual e comunitário daquele humilde povo: crianças vindo à sua porta “pedir a benção”; doentes que o procuravam em busca de uma cura, uma graça. Ele foi observador direto desta rotina nos 3 dias que permaneceu na comunidade, como hóspede do mestre Irineu. O repórter também escreve que “pessoas importantes”, em “desespero” já haviam procurado por mestre Irineu, porém ele se recusava a dizer os nomes.

Sim, numa sociedade que as autoridades e parte da sociedade perseguia aquela comunidade humilde e o seu líder, também haviam pessoas influentes e de poder que eram atraídas por este ‘padrinho’ carismático e seu misterioso culto, dele se aproximava e os protegiam.

Além disso, como líder comunitário, Irineu Serra participava ativamente da vida política e social do Território do Acre, se engajando no Movimento Autonomista liderado por José Guiomard Santos (seu amigo), que conquistou a emancipação do Acre, transformando o antigo Território em mais um Estado federativo (em 15.06.1962).

Quanto à fama de curador que acompanhava Irineu Serra, pode-se dizer que o ofício de rezador, benzedor, erveiro e raizeiro ainda hoje é comum em terras acreanas. É uma tradição do período anterior à chegada da medicina científica àquelas plagas. Os males do corpo e da alma eram combatidos pelo curandeirismo popular e as práticas mágico-religiosas. O paradoxo: se existisse um único médico num raio de dezenas de quilômetros, para atender toda a população, essas práticas de curandeirismo popular avam a ser duramente reprimidas e classificadas como charlatanismo. Isso aumentava a discriminação e perseguição a líderes espirituais como Irineu Serra.

O feitio do daime e o número de adeptos

A seguir, de maneira simplificada Marques descreve como ocorre o feitio do ‘chá’ e o material usado: o cipó  jagube e a a folha ‘mescla’ – nome que se dava ao que atualmente os daimistas chamam de folha rainha, e o seu cozimento.

Aqui, 2 informações importantes, a primeira carente de confirmação para os pesquisadores: Marques afirma haver “600 associados” ao “centro de MestreRaimundo”. Possivelmente ele estivesse falando do total de pessoas que viviam sobre influência da doutrina do velho mestre, moradores da zona rural e urbana de Rio Branco e de outras localidades, como Porto Velho – Rondônia.

Marques descreve que as sessões com uso de ayahuasca se davam 2 vezes ao mês, nos dias 15 e 27. Quando Irineu Serra se afastou do Tatwa e fundou o seu novo centro esoterista, a sessão do dia 27 foi substituída pelo dia 30 de cada mês. E no calendário litúrgico do centro religioso-espiritualista Centro de Iluminação Cristã Luz Universal – CICLU também se comemoram as datas festivas do cristianismo católico: Natal, Reis, São José, São João e Virgem da Conceição.

Bem… ao término da matéria, Marques – ou seu editor – apelam para o sensacionalismo e, após compará-la com a droga lisérgica do movimento hippie em voga, o LSD, denomina a ayahuasca de “droga maldita” que os caboclos usavam como “fuga” da realidade.

Certamente o mestre Irineu diria: a revista Manchete não sabe de nada. Essa bebida nos leva a Deus.

Carlos Marques entrega parte da ayahuasca a Gilberto Gil

Quando se despediu do mestre Irineu Serra, inusitadamente o mesmo lhe ofereceu uma garrafa de Daime com a recomendação para ele tomar o seu conteúdo com amigos sensíveis.

De volta ao Rio de Janeiro, Carlos Marques entrega parte do seu conteúdo ao compositor tropicalista Gilberto Gil, a descrevendo como “uma beberagem indígena sagrada que produzia visões deslumbrantes e estados de alma elevadíssimos”.

Naquele mesmo dia Gilberto Gil tomou uma dose da bebida, e logo após foi para o Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro, pegar a ponte aérea para São Paulo.

Já no saguão do Aeroporto de Congonhas, São Paulo, onde ocorria a inauguração de uma exposição militar, da FAB – Força Aérea Brasileira – o efeito do daime/ayahuasca começou a se manifestar, e Gil “captara conteúdos indescritíveis na presença dos militares”.

Era época de Ditadura Militar e a classe artística e intelectual brasileira estava sendo duramente perseguida, os próprios artistas baianos Gil e Caetano seriam logo após presos e exilados em Londres.

Sob efeito do daime Gilberto Gil sentiu “como se tivesse entendido o sentido último do momento de nosso sentido como povo, sob a opressão autoritária”… e mesmo sob o medo que então os militares provocavam… sentia que podia “amar, acima do temor e de suas convicções ou inclinações políticas, o mundo em suas manifestações todas, inclusive os militares opressores”.

A mensagem crística, que está no daime, falava ao coração do compositor baiano, apesar de todas as perseguições e temores: “amai os vossos inimigos”.

(As aspas dessa parte do artigo são de citações do livro Verdade tropical, de Caetano Veloso).

Depois dessa experiência solitária no vôo Rio-São Paulo, Gilberto Gil reúne um grupo de amigos no apartamento do compositor Caetano Veloso e propõe que todos fizessem uma “viagem” em conjunto. Embalada por hits psicodélicos da banda Pink Floyd.

Narciso de férias

O apartamento de Caetano, na Avenida São Luís, no Centro de São Paulo, era chamado carinhosamente de “QG Bahia”, pelo desfile permanente de artistas, músicos e amigos naquele artístico recinto.

O “QG Bahia” seria desmontado quando, em 27 de dezembro de 1968, poucos dias depois da decretação do AI-5, militares do Exército brasileiro invadem a casa e prendem o compositor. De lá saíram para prender Gilberto Gil e, após mais de 1 mês encarcerados incomunicáveis nos porões da Ditadura, são alçados à condição de prisão domiciliar e “convidados” a deixar o Brasil.

Como lembrança da longa noite que se abateu sobre o desgraciado país, sem mágoas Gilberto Gil brada, numa canção de sucesso:

– Alô, alô Realengo, aquele abraço!

Menção ao bairro carioca onde ficará preso, num quartel do Exército. Caetano Veloso relembra o doloroso momento, numa tocante composição:

“Quando eu me encontrava preso

Na cela de uma cadeia

Foi que eu vi pela primeira vez

As tais fotografias

Em que apareces inteira

Porém lá não estavas nua

E sim coberta de nuvens…”

Já no exílio londrino, após a triste partida, Caetano explicita sua melancolia na capa e músicas do seu 1º disco inglês. Na fria London, London não se viam discos voadores no céu.

O Daime, Caetano e Gil

Sobre essa primeira experiência com o daime/ayahuasca, narrada por Caetano Veloso em seu livro autobiográfico, escrevi um artigo que “viralizou” à época. Provavelmente Gilberto Gil, então ministro da Cultura, dele tomou conhecimento, e o artigo foi divulgado no site do MinC e dezenas de outros sites e blogs. As “redes sociais” eram outras em 2008.

(Link para /2010/10/em-quarenta-sites-o-daime-caetano-e-gil/).

Logo surgiram muitos artistas afirmando terem participado desta transcendental experiência… mas as informações não confirmavam. Perguntei a Carlos Marques sobre isto, e ele me respondeu:

– Houve mais de uma sessão com eoaska, organizada por Gilberto Gil. Semanalmente ele ava na minha casa e eu lhe dava uma garrafa de vasilhame de coca-cola com o líquido. Não entreguei toda a eoaska ao artista não. Fui dando aos poucos. E participei de muitas dessas sessões psicodélicas.

Rita Lee, a Índia Jupira

Em sua autobiografia, a irreverente roqueira Rita Lee descreve o que vivenciou:

“Não lembro exatamente qual visitante chegou no ‘QG Bahia’ na Avenida São Luís trazendo um garrafão de chá de ayahuasca. Descreveu as maravilhosas curas da alma que o santo remédio realizava, só não mencionou o vômito colateral nem considerou que tomar tal chá numa baita city feito São Paulo seria ótima receita para uma baita bad trip.

“Também não lembro quem tomou ou não tomou, só sei que eu tomei. Depois de botar as tripas pra fora, tive a brilhante ideia, talvez teleguiada pelos espíritos do povo das florestas, de sair às ruas de São Paulo. Andei apenas um quarteirão, o que deve ter durado umas quatro horas, e cheguei ao reino encantado da praça da República, para então me unir de corpo e alma ao caos urbano metamorfoseada de índia Jupira.

“O que aconteceu comigo nas dez horas seguintes, não sei, se fui devorada por transeuntes canibais ou transportada para a selva Amazônica numa tribo de pigmeus. Lembro de miraculosamente ‘acordar’ no casarão da Joaquim Távora agradecida pela competência do meu Anjo da Guarda, que evitou minha prisão ao entrar no laguinho de carpas. Acredito que se tivesse tido uma bad trip de ayahuasca na Praça da República, não estaria viva para contar. Nunca mais quis ver o santo-daime pela frente. Pelo menos não no centrão de São Paulo”.

Carlos Marques e Alceu Valença, Olinda - PE, janeiro de 2014
Carlos Marques e Alceu Valença, Olinda – PE, janeiro de 2014

Por onde anda Carlos Marques?

Nascido em 29 de janeiro de 1944, Carlos Marques reside em Paris – França e faz, neste ano da graça de 2025, 81 anos de idade. Marques é um sobrevivente. Sobreviveu à infecção pela Covid-19 e 3 infartos, como consequência e sequela da contaminação viral. ou longas temporadas em UTIs de hospitais parisienses e o boato de sua morte circulou em 2 continentes.

Marques é funcionário aposentado da ONU e, como é obrigado a pagar as contas, como diz, segue trabalhando como ‘consultor master’ da UNESCO.

A ressurreição de Carlos Marques

Após a (des)informação divulgada de sua morte, Marques ressuscitou. E, em documentos, teve que provar que estava vivo, muito vivo – inclusive para continuar a receber os proventos da aposentadoria. Ativo, além de prestar consultorias, Marques está finalizando a elaboração de seu 3º livro, do qual já tem editor para lançamento na França e Portugal.

Ele se diverte com o jogo de palavras do título do seu próximo livro de memórias. Inicialmente, como ex-guerrilheiro dos anos 1960, o batizou de “Sou filho da luta”, subentendendo que era filho da luta armada.

Marques imaginava um candidato à leitor entrar numa livraria, e declarar: “sou filho da luta”… onde uma simples vogal, na última palavra do título do livro, separaria o provável leitor da honra (um “l”) ou da infâmia (uma letra “p”). Mudou então o título para “Somos todos filhos da luta”. Todavia, a dubiedade permanece.

Muitas histórias adas com personalidades históricas do Século XX ele promete contar no seu novo livro. Entre tantas, a amizade com François Miterrand, presidente da França entre 1981-1995, que, quando o encontrava, abria os braços e perguntava:

– Carlos Marx, onde está Engels?

A pedido do Amado Jorge dos baianos e sua esposa Zélia Gatai, Marques zelou por Glauber Rocha num hospital em Lisboa, até embarcá-lo de volta ao Brasil, onde viria a falecer. Jorge apelou para Marques:

– A outra pessoa que eu pediria para cuidar de Glauber seria João Ubaldo Ribeiro… mas o João tem um trauma de infância. Desmaia ao ver sangue escorrendo…

Marques afirma ter firmado uma longa amizade com Pelé, pois ciceroneava o embaixador da Unesco em Paris, a pedido daquela prestigiosa instituição. Após a morte do rei, declara que articulou na Unesco a concessão do título de ‘Embaixador da Boa Vontade’ a Vini Jr.

Jornalista e repórter investigativo, cineasta, escritor, compositor, poeta, produtor cultural… em sua octagenária existência são tantas as suas qualificações  e competências, que as páginas de papel e os bytes do computador seriam insuficientes para enumerá-las.

Ou… no dizer de Luiz Carlos Maciel: “um tremendo repórter, inteiramente louco, chato pra caralho, mas que topava todas”.

VIVAVAIA – grafara o poeta concretista Augusto de Campos. Na pele de cineasta, Carlos Marques teve o seu curta-metragem ‘Carnaval. O Aval da Carne’ selecionado ao prestigiado Festival de Cinema de Veneza, no qual foi vaiado do início ao fim. VIVAVAIA.

Ah… e são tantas e mais tantas histórias e causos que, parodiando o viageiro Marco Polo, ele poderia dizer: não contei nem metade daquilo que vi, porque eu sabia que ninguém acreditaria.

Este é Carlos Marques, pioneiro em levar a ayahuasca aos centros urbanos brasileiros e revelar ao mundo o sagrado nome do mestre Raimundo Irineu Serra, o rei Juramidã.

Sou ageiro

Do destino

Comprei meu bilhete de ida e volta

Como o de volta

Foi anulado

Fiquei na estação

Com meu ado.

(Carlos Marques, poema de 21 de janeiro de 2025).

Carnaval – O aval da carne (Filme de Carlos Marques)


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