“A crise do Supremo Tribunal Federal não é apenas jurídica ou institucional — é também um reflexo do colapso moral das elites que ocupam os vértices do poder no Brasil. A ausência de sobriedade, o exibicionismo retórico e a camaradagem escancarada em sessões públicas são sintomas de um mal maior: a falência da formação ética, intelectual e simbólica de nossa elite dirigente. O STF, que deveria ser farol de equilíbrio e contenção, transforma-se em palco de vaidades e superficialidades — um retrato inquietante de um país em que a liturgia da autoridade se dissolve diante da cultura do improviso e da autopromoção”, afirma o jornalista e cientista social Carlos Augusto.
A autoridade institucional do Supremo Tribunal Federal (STF) não se edifica exclusivamente por meio de decisões técnicas. Ela se consolida, sobretudo, por meio de posturas que expressem, com sobriedade, a gravidade da missão que lhe é confiada pela Constituição: a guarda da ordem jurídica e a preservação dos fundamentos da República.
Contudo, o que se tem testemunhado, de forma crescente e alarmante, é a erosão dessa liturgia. Sessões públicas marcadas por risos desmedidos, trocas de elogios entre ministros e comportamentos incompatíveis com a solenidade do cargo comprometem não apenas a imagem da Corte perante a sociedade, mas enfraquecem sua autoridade moral e simbólica como último bastião da legalidade e do equilíbrio institucional.
Trata-se de uma degradação silenciosa, porém contínua, da liturgia que deve acompanhar a função jurisdicional no mais alto grau do Poder Judiciário. Esse fenômeno, se não contido, poderá gerar efeitos irreversíveis para o prestígio da Justiça brasileira, aprofundado a corrosão da confiança pública e confirmando mais um elemento da Cleptocracia Autocrática Judicial no Brasil.
A reportagem editorial do Jornal Grande Bahia, assinada pelo jornalista e cientista social Carlos Augusto, analisa com rigor e profundidade os sinais desse processo de desinstitucionalização. A matéria expõe como atitudes questionáveis de membros do Judiciário, especialmente no âmbito da Suprema Corte, refletem e aceleram a degradação do próprio Sistema de Justiça, em um cenário que ameaça os pilares da República.
Exemplo notório
Em episódios no Supremo Tribunal Federal, ministros têm protagonizado trocas de elogios e brincadeiras em plena atividade jurisdicional. Um caso notório foi a súbita “reconciliação” pública entre os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso em 2020, quando ambos, antes desafetos, aram a se elogiar mutuamente em transmissões online.
Nada como um inimigo comum para aproximar adversários: em meio a uma crise política nacional, Barroso elogiou Mendes em uma live, enquanto, simultaneamente, Mendes retribuía o agrado ao colega em outro evento. Em tese, a cordialidade entre membros da Corte seria positiva, mas o tom e o contexto dessas afabilidades públicas despertaram suspeitas de conchavo e ironia, em vez de genuína urbanidade.
Não se trata de um fato isolado. Sessões do STF já foram marcadas por um clima de descontração pouco condizente com a gravidade dos temas tratados. Durante a eleição interna simbólica da Corte em 2023, por exemplo, a então presidente Rosa Weber anunciou o novo vice-presidente “aos risos”. Na sequência, o ministro Alexandre de Moraes fez uma piada sobre o resultado atípico da votação (“(É porque) a votação não foi no TSE”, gracejou, referindo-se ao Tribunal que ele mesmo preside). Em tom igualmente jocoso, o decano Gilmar Mendes arrematou: “Vai colocar esse pessoal no inquérito”, uma alusão irônica ao inquérito das fake news que Moraes conduz. Essas trocas de piadas em plenário causaram perplexidade; nas redes sociais e fora delas, a reação foi imediata.
O ex-procurador da República Deltan Dallagnol criticou o fato de “os ministros [terem] feito piada sobre inquéritos que numerosos juristas consideram abusivos, que têm promovido censura [e] prisões ilegais”, banalizando temas seríssimos. Para o deputado federal Marcel Van Hattem, as brincadeiras entre Moraes e Gilmar extrapolaram os limites do decoro: “Isso não é postura de ministros da mais alta Corte do país! (…) É uma vergonha que o Supremo aja dessa maneira com o Brasil e com a Constituição”.
Baixa intelectualidade e conduta questionável
Do ponto de vista da ética pública e da deontologia judicial, essas atitudes levantam questionamentos sobre a seriedade intelectual e moral de parte dos integrantes do STF. Críticos apontam que a Corte, outrora palco de debates jurídicos de alto nível, hoje cede espaço a tiradas e autoelogios que pouco contribuem para o enfrentamento rigoroso das questões constitucionais. Já houve quem mencionasse a “baixa intelectualidade dos ministros”, indicando que muitos se mostram reféns de opiniões alheias, sem iniciativa de pensamento crítico próprio. Embora tal afirmação seja dura, a recorrência de comentários frívolos e a falta de profundidade em certas discussões plenárias fazem essa crítica ecoar nos meios jurídicos. O respeito ir aos princípios da magistratura requer não apenas conhecimento técnico, mas postura sóbria e exemplar – algo que, na percepção de muitos observadores, anda em falta no STF atual.
Além disso, a insistência em piadas de cunho duvidoso ou autoelogios mútuos sugere uma preocupante falta de autocrítica entre os magistrados. Em editorial recente, o jornal O Estado de S. Paulo destacou que “alguns ministros do STF têm se mostrado recalcitrantes em reavaliar condutas em tudo contrárias à ética pública e aos princípios republicanos”. Ao invés de ouvirem críticas construtivas e adequarem sua conduta, preferem ignorá-las ou desdenhá-las. Ainda segundo o Estadão, falta a “virtude da parcimônia” a esses ministros, prevalecendo uma combinação de pouca sobriedade e muita soberba. É como se determinados magistrados se vissem “pairando acima do bem e do mal”, repelindo até críticas de boa-fé da sociedade civil e da imprensa, achando que deveriam estar isentos de questionamentos – postura incompatível com uma república democrática, e que se aproxima de um absolutismo. Essa crítica incisiva da grande imprensa deixa claro que a imagem intelectual e moral da Corte está arranhada por culpa de seus próprios membros.
Julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e bolsonaristas no STF escancara perda de liturgia
O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, realizado pelo Supremo Tribunal Federal ao longo de março de 2025, representa um marco incontestável de ruptura institucional no Brasil contemporâneo. Ainda que os elementos jurídicos apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) mereçam atenção e análise técnica, o que se viu no comportamento de alguns ministros durante as sessões extrapolou os limites do decoro esperados da mais alta Corte do país.
Em vez da postura reservada e grave que o momento exigia — dada a responsabilização criminal de um ex-chefe de Estado democraticamente eleito, sob acusação de tentativa de golpe de Estado —, observou-se um ambiente permeado por comentários jocosos, descontração fora de lugar e manifestações de cunho político. A liturgia que deveria conferir dignidade e legitimidade ao ato jurisdicional foi negligenciada.
Teatralização, parcialidade e perda de compostura institucional
O julgamento de Bolsonaro, que deveria reafirmar os pilares do Estado Democrático de Direito, acabou por reforçar percepções de parcialidade e judicialização da política, devido ao comportamento de alguns ministros. Ao invés de se aterem ao exame técnico das provas e fundamentos legais, exibiram protagonismo midiático, protagonizaram falas irônicas e, em alguns casos, deixaram transparecer interesses que destoam da imparcialidade judicial.
Esse tipo de conduta alimenta a desconfiança de amplos setores da sociedade, que veem no STF um ator político mais do que jurídico. Ainda que injustas em parte, essas críticas ganham força justamente porque a Corte abdica de sua liturgia e de sua compostura simbólica, cedendo à teatralização de seus atos e à vaidade de seus membros.
Consequências para a estabilidade institucional
A perda da liturgia judicial não é um mero detalhe cerimonial: ela compromete a credibilidade do Poder Judiciário, fragiliza o pacto constitucional e oferece terreno fértil para narrativas autoritárias que questionam a legitimidade das instituições democráticas. Quando os ministros do STF agem com leviandade em julgamentos de tamanha gravidade, desfiguram a imagem da Justiça como instância suprema e neutra da República.
É preciso lembrar: não é a autoridade formal que legitima o Supremo perante a Nação, mas sim a integridade moral de sua conduta pública e a liturgia com que desempenha sua missão constitucional. Sem gravidade, recato e elevação institucional, a Corte perde o respeito do povo e compromete a própria democracia.
“O Supremo Tribunal Federal, guardião maior da Constituição brasileira, vive um processo de corrosão ética e intelectual que compromete sua legitimidade jurídica. Piadas entre ministros, elogios mútuos em julgamentos delicados e declarações públicas destituídas de sobriedade afrontam princípios deontológicos básicos do exercício da magistratura. Trata-se de uma grave desvirtuação do papel de julgadores, cuja missão exige distanciamento, imparcialidade e reverência institucional à liturgia do cargo”, afirma o cientista social Carlos Augusto.
Um antiexemplo para a magistratura brasileira
O efeito deletério desse comportamento se projeta sobre toda a magistratura nacional. Ministros do STF, no topo da carreira judicial, deveriam ser faróis de ética e compostura para juízes de instâncias inferiores. Contudo, as brincadeiras fora de hora, conchavos explícitos e demonstrações de vaidade se tornam um anti-exemplo, insinuando que tais práticas são aceitáveis ou mesmo normais na judicatura. Princípios como imparcialidade, decoro e prudência acabam relativizados quando a própria Suprema Corte não os encarna plenamente. Isso gera uma perigosa permissividade cultural: se um magistrado de primeiro grau vê ministros do STF agindo de forma pouco séria ou buscando interesses alheios à Justiça, poderá sentir-se implicitamente autorizado a fazer o mesmo.
Juristas de renome têm manifestado preocupação com essa erosão ética institucional. O professor e ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto, por exemplo, sempre pregou que o juiz deve falar nos autos e que a liturgia do cargo impõe recato. Outros observadores notam que falta comedimento e sobra personalismo no Supremo, tornando-o “menos um colegiado e mais uma soma de individualidades”, o que é ruim para a democracia, como já analisou o ministro Luís Roberto Barroso antes mesmo de assumir a presidência do STF.
A vaidade personalista – evidenciada em elogios mútuos exagerados e disputas de ego – compromete a colegialidade e enfraquece a confiança pública. Quando ministros fazem piadas de mau gosto sobre investigações sérias ou trocam afagos em público enquanto julgamentos polêmicos se desenrolam, transmitem a impressão de desprezo pelas responsabilidades do cargo. Isso mina a autoridade moral do Judiciário: como exigir rigor ético de milhares de juízes pelo país afora, se na cúpula judiciária o exemplo dado é torto?
A consequência direta é o aumento do descrédito social no Poder Judiciário. Já se enraíza na percepção coletiva a imagem de um STF desqualificado, distante do cidadão comum e envolto em suas próprias vaidades. Em círculos acadêmicos e na imprensa, discute-se abertamente o “desgaste institucional do STF perante a opinião pública”.
Pesquisas de confiança nas instituições mostram o Judiciário atrás de outras instâncias, reflexo dessa conduta equivocada de seus membros. Afinal, a autoridade de uma Corte Constitucional não se sustenta apenas nas leis, mas também na legitimidade conquistada pelo respeito que inspira. E respeito não se inspira com gracejos incompatíveis com a solenidade da Justiça.
Ética pública versus interesses privados
Outro aspecto grave nas condutas questionáveis de alguns ministros é o conflito entre o interesse público e vantagens privadas ou de círculo. Há casos em que a camaradagem excessiva entre ministros encobre relações pouco transparentes. Eventos sociais luxuosos, trocas de favores acadêmicos e proximidade com advogados e políticos formam um caldo preocupante.
O ministro Gilmar Mendes, citado anteriormente pelas piadas em plenário, já foi criticado por organizar encontros em Portugal reunindo colegas do STF e empresários com causas na Corte – um ambiente informal propício a contatos inadequados. Quando confrontado, Gilmar desdenhou das críticas e negou qualquer conflito de interesses nesses convescotes, numa “naturalidade espantosa” que causou perplexidade.
Nessa mesma linha de autoindulgência, o ministro Alexandre de Moraes chegou a descartar “peremptoriamente” a necessidade de um código de conduta para os ministros do Supremo, resistindo a medidas de autocontrole ético que já são realidade em outras cortes, como a Suprema Corte norte-americana. Exemplos concretos de práticas moralmente questionáveis não faltam.
Em dezembro de 2023, o advogado e jornalista Manoel Afonso ironizou a falta de ética no Judiciário ao comentar decisões controversas de um ministro do STF. Segundo Afonso, “no Brasil a ética não resiste aos encantos do poder”, e ele cita o caso de um ex-governador influente absolvido no Caso Lava Jato por decisão do ministro, bem como a suspensão de uma multa bilionária contra uma grande empresa (J&F) pelo mesmo ministro – detalhe: a advogada beneficiada era supostamente a esposa. O colunista arremata com sarcasmo: “Papai Noel existe sim!!!”, sugerindo que tais benesses judiciais são verdadeiros “presentes” entregues aos poderosos próximos aos magistrados. Situações assim reforçam a tese de falta de princípios éticos: a parcialidade ou o compadrio solapam a ideia de um Judiciário íntegro. Quando decisões de ministros beneficiam amigos, cônjuges ou aliados políticos, a conduta moral torna-se altamente questionável aos olhos da sociedade – e com razão.
Diante desse cenário, cresce o coro por maior ability no STF. Afinal, se nem a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) nem um código interno conseguem enquadrar Ministros do Supremo (muitos dos quais argumentam que tais regramentos não se lhes aplicam), resta a pergunta: quem fiscaliza os fiscalizadores? Somente a consciência de cada um? Como bem salientou o Estadão, “um poder sem controle é um poder ilegítimo”. A independência judicial não pode ser escudo para a impunidade de condutas antiéticas. Quando a autocontenção falha, outros mecanismos republicanos – como o escrutínio do Senado Federal nas indicações e eventuais processos de impeachment de ministros – ganham força no debate público como antídotos contra abusos.
Liberdade de Imprensa sob risco e conivência institucional
A crise de conduta no STF não se limita ao ambiente interno da Corte; ela espelha-se na relação do Judiciário com a sociedade, em especial no que tange à proteção de valores democráticos básicos como a liberdade de imprensa. Diversos especialistas e entidades alertam que o sistema de Justiça brasileiro – incluindo o STF e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – falha em proteger adequadamente a liberdade de expressão, permitindo ou até promovendo, pela omissão, ataques a esse pilar da democracia. Em outras palavras, quando juízes e tribunais não resguardam a imprensa livre, acabam por alimentar a erosão democrática.
Historicamente, não são poucos os episódios de censura judicial no Brasil. Mesmo após o fim da Lei de Imprensa (revogada pelo STF em 2009), juízes de várias instâncias continuaram a expedir ordens proibindo veículos de publicar determinadas matérias ou impondo segredos de justiça descabidos. Um levantamento da Associação Nacional de Jornais (ANJ) mostrou números alarmantes: somente em 2012, 11 decisões judiciais determinaram censura à imprensa no país, ante 14 em 2011 e 16 em 2010.
“A censura judicial acontece em flagrante desrespeito à Constituição. Infelizmente, é um fato que vem ocorrendo com uma frequência preocupante”, denunciou na época Ricardo Pedreira, diretor-executivo da ANJ.
Essas decisões, tomadas “em geral por juízes de primeira instância”, afrontam diretamente a clareza do texto constitucional, que veda a censura prévia, e contrariam até o precedente do próprio STF. Em pleno regime democrático, vozes são caladas por canetadas judiciais, gerando perplexidade e revolta em defensores da liberdade de expressão.
O CNJ, órgão de controle istrativo e disciplinar do Judiciário, está ciente do problema há anos – tanto que criou, ainda em 2012, o Fórum Nacional do Poder Judiciário e Liberdade de Imprensa. Todavia, esse fórum carece de poder normativo: limita-se a monitorar casos e promover debates, sem impedir efetivamente a censura. Década após década, as queixas da sociedade civil permanecem.
Em 2023, um grupo formado por Repórteres Sem Fronteiras (RSF) e mais dez organizações de defesa da liberdade de imprensa levou suas preocupações diretamente ao presidente do STF. Essas entidades apontaram que “o uso abusivo do sistema judicial como estratégia para silenciar jornalistas está se intensificando no Brasil”, e cobraram da Corte Suprema um compromisso claro no combate ao chamado assédio judicial contra profissionais da mídia. Em outras palavras, processos em série e decisões excessivas contra jornalistas e veículos configuram uma estratégia de intimidação que vem ganhando fôlego – e que o Poder Judiciário não tem logrado deter.
Houve alguns avanços pontuais: recentemente, o próprio STF anulou dezenas de ações por difamação movidas por juízes contra o jornal Gazeta do Povo do Paraná, reconhecendo que ali havia um “exercício disfuncional – e ilegítimo – do direito de ação” por parte dos magistrados, “com o objetivo de intimidar a imprensa”. Essa decisão tardia foi importante por corrigir uma injustiça flagrante, mas não apaga o fato de que por anos o Judiciário permitiu a multiplicação dessas causas vexatórias contra o jornal – uma verdadeira vingança togada contra reportagens incômodas. Quantos outros casos semelhantes não continuam a ocorrer Brasil afora, sem a devida intervenção corretiva? A sensação, para muitos analistas, é que as instituições judiciais têm sido lentas e tímidas na defesa da liberdade de imprensa, quando não cúmplices do cerceamento dela.
Mesmo sem citar casos específicos, o padrão é preocupante: blogs saem do ar por ordem judicial; jornalistas enfrentam censura em nome de “honra” de políticos ou poderosos; veículos pequenos são asfixiados por avalanche de ações em diferentes comarcas simultaneamente (assédio processual). Tudo isso configura um cenário de intimidação que, se não é explicitamente orquestrado pelo Estado, tampouco é eficazmente coibido pelas cortes. Cada vez que um juiz ultraa a linha e censura uma matéria – e nada lhe acontece, nenhuma sanção pelo CNJ – cria-se um perigoso incentivo à repetição desse ato por outros magistrados.
O resultado é um ambiente hostil à imprensa livre, no qual voz crítica pode custar caro. E sem imprensa livre, sabemos, a democracia definha: falta ao público informação plural para formar opinião, e faltam mecanismos de denúncia de abusos de poder.
Especialistas em direito constitucional e entidades de defesa da democracia são categóricos ao afirmar que liberdade de expressão é condição sine qua non para um Judiciário legítimo e para a manutenção do Estado de Direito. Nas palavras da ministra Cármen Lúcia, do STF, “sem imprensa livre, a Justiça não funciona bem”– reconhecimento público de que a imprensa é aliada na fiscalização dos outros poderes, inclusive do Judiciário. No entanto, reconhecer não basta; é preciso ação concreta.
Quando o próprio STF não se posiciona firmemente contra decisões censórias de instâncias inferiores (ou pior, quando alguns de seus ministros instauram procedimentos que resultam em censura direta, como já ocorreu), a mensagem ada é de ambiguidade perigosa. Ao não proteger vigorosamente os jornalistas, o sistema de Justiça torna-se, por omissão, partícipe da erosão democrática. Essa crítica genérica, mas amplamente compartilhada por observatórios internacionais, lança uma sombra sobre a efetividade do CNJ e do STF como guardiões não apenas da lei, mas também dos valores democráticos.
Violação da Liberdade de Imprensa contra Carlos Augusto e o JGB expõe suposto caso de Abuso de Autoridade
O jornalista Carlos Augusto, diretor do Jornal Grande Bahia (JGB), denuncia, como outro exemplo da decadência institucional do Sistema de Justiça do Brasil, o fato de ser alvo de uma suposta perseguição judicial orquestrada por membro do Judiciário baiano, em conluio com integrantes do Ministério Público, após a publicação de reportagens investigativas sobre o Caso Faroeste e outros temas de interesse público.
Segundo o jornalista, as ações judiciais, de natureza cível e criminal, configuram, em tese, fraudes processuais criadas como a finalidade de promover censura e intimidar à atividade jornalística. A gravidade da situação é evidenciada pelo fato de que mais de vinte membros do sistema de justiça, entre juízes, desembargadores e promotores, declararam-se impedidos de atuar nos processos, após já terem, em alguns casos, praticado atos processuais em favor do colega desembargador e ex-membro do Ministério Público, que é parte diretamente interessada nos resultados das ações.
As denúncias apontam para o suposto uso abusivo e reiterado do sistema judicial como instrumento de retaliação ao trabalho da imprensa, o que tem gerado manifestações de apoio de entidades como a Associação Bahiana de Imprensa (ABI), que classificou os processos movidos contra Carlos Augusto como casos emblemáticos de assédio judicial e uma ameaça direta à liberdade de expressão e ao direito à informação.
A situação acende um alerta sobre o avanço do lawfare contra jornalistas no Brasil, sobretudo quando as reportagens envolvem figuras do alto escalão do poder institucional. Carlos Augusto classifica os ataques como um possível “crime de Estado” contra a liberdade de imprensa, denunciando a omissão de órgãos superiores na contenção da escalada persecutória.
O jornalista também destaca que o julgamento de um dos processos em segunda instância foi contaminado por conflitos de interesse, decorrente de suposto envolvimento de partes interessadas em uma espécie de triângulo amoroso, circunstância que teria contribuído para perpetuar a fraude processual contra o jornalista e o veículo de imprensa e que resultou em mais uma autodeclaração de impedimento para relatar o recurso apresentado pela defesa.
Diante do que considera um quadro de abuso de autoridade, Carlos Augusto anuncia que pretende, em futuro próximo, conceder uma entrevista coletiva em Brasília, com a presença dos principais veículos de imprensa do país, a fim de apresentar à sociedade os detalhes da suposta perseguição institucional de que é vítima.
Na ocasião, o jornalista nomeará publicamente o principal responsável pela perseguição judicial, além de mencionar os demais membros do Ministério Público e do Judiciário que, segundo ele, atuaram em conluio ou se omitiram diante das violações cometidas contra a ele o veículo de que dirige, em atos que afetarem diretamente a Liberdade de Imprensa.
A entrevista coletiva, segundo Carlos Augusto, visa também reforçar a denúncia internacional que será encaminhada ao Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, diante da omissão de autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, segundo ele, falharam em interromper a escalada de arbitrariedades promovidas contra o exercício do jornalismo independente no Brasil.
“É plausível supor que a corrupção tenha alcançado os mais altos níveis da institucionalidade da República, com o propósito de acobertar um Crime de Estado perpetrado contra minha pessoa e contra o Jornal Grande Bahia”, declara Carlos Augusto.
Uma Democracia em Xeque pela Postura do Judiciário
A soma desses fatores – posturas antiéticas dentro do STF e negligência na proteção de liberdades fundamentais fora dele – compõe um retrato preocupante de fragilidade institucional. Quando os mais altos magistrados do país dão maus exemplos de comportamento e relaxam na defesa de direitos basilares, a própria democracia fica em xeque. Não são apenas críticas vazias: trata-se de percepções consolidadas entre juristas sérios, jornalistas experientes e entidades civis renomadas. Há um consenso crescente de que urge recompor a dignidade e a responsabilidade no Judiciário brasileiro, do contrário continuará se ampliando a perigosa ideia de que temos um Poder Judiciário descolado de seu dever republicano.
Em uma república saudável, ninguém – nem mesmo um ministro da Suprema Corte – está acima da ética e da lei. Espera-se de um magistrado não só conhecimentos jurídicos, mas também virtudes públicas: prudência, humildade, imparcialidade e respeito ir aos princípios constitucionais. Piadas indevidas, elogios vazios entre si e conchavos às claras são condutas que aviltam a imagem da Justiça. Da mesma forma, a leniência institucional com ataques à liberdade de imprensa significa falhar em proteger a democracia exatamente onde ela é mais frágil. Ambos os fenômenos são, em essência, duas faces de um mesmo problema: a desconexão de parte da elite do Judiciário dos valores éticos que deveriam nortear sua atuação.
Resta claro que, para reverter a percepção de um “Poder Judiciário desqualificado”, é preciso ação imediata. Isso a por uma autorreflexão dos próprios ministros do STF sobre seu papel de exemplares da República. a também por um comprometimento efetivo do STF e do CNJ em fechar brechas para abusos – seja adotando um código de conduta rigoroso para os ministros, seja punindo com rigor desvios de juízes que impõem censura ou outras arbitrariedades. A sociedade brasileira demanda e merece um Judiciário à altura de sua Constituição. Enquanto elogios impróprios ecoarem no plenário e decisões escandalosas calarem jornalistas, o recado que fica é de uma Justiça em desacordo com a justiça. E assim, a cada riso fora de hora ou silêncio cúmplice diante da mordaça, nossas instituições vão, lamentavelmente, escrevendo um manual de antiexemplo a não ser seguido.
*Carlos Augusto, jornalista e cientista social.
*Feira de Santana, 6 de abril de 2025.
Fontes e Referências:
-
Editorial Estadão: Critica à falta de ética pública de ministros do STF.
-
Coluna Época / O Globo: Registro de elogios mútuos entre ministros do STF.
-
O Globo (Blog Sonar): Reações às piadas de ministros em sessão do STF.
-
Jornal GGN: Debate público sobre a intelectualidade e postura dos ministros do STF.
-
Manoel Afonso – Diário Digital: Comentário sobre falta de ética no STF.
-
ANJ via ConJur: Dados sobre censura judicial à imprensa e crítica de especialistas.
-
RSF (Repórteres Sem Fronteiras): Alerta sobre assédio judicial contra jornalistas e apelo ao STF.
-
Agência Brasil / CNJ: Defesa da liberdade de imprensa como elemento essencial da democracia.

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