Depois que o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, afirmou que o ministro Alexandre de Moraes, do STF, poderia ser alvo de sanções norte-americanas, imaginava-se que a lei aplicada seria a Lei Magnitsky, criada pelos Estados Unidos, em 2012, em resposta à morte do advogado tributarista russo Sergei Magnitsky em uma prisão em Moscou. A lei foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo então presidente Barack Obama, visando punir autoridades russas responsáveis pelo falecimento do causídico. Essa lei permite que o governo americano imponha sanções a indivíduos e a entidades estrangeiras envolvidas em graves violações de direitos humanos e corrupção.
Pelo visto, Trump pretendia aplicá-la contra o ministro Alexandre de Moraes, apesar das implicações decorrentes da medida. Ampliada em 2016 através do Global Magnitsky Human Rights ability Act, a lei permite ao governo dos EUA sancionar funcionários de governos estrangeiros implicados em abusos de direitos humanos em qualquer parte do mundo. Trump já a aplicou em seu primeiro mandato, em 2017, contra três latino-americanos alvos de sanções por corrupção e violações de direitos humanos. Também foi aplicada contra membros do Judiciário da Rússia e autoridades da Turquia e de Hong Kong, acusados de perseguir opositores, fazer julgamentos fraudulentos e reprimir a população de modo institucional.
A aplicação da lei pode ser através de um ato istrativo do governo, pois independe de instauração de processo judicial: basta apenas provas, pela imprensa ou por testemunhas. No caso de Moraes o processo foi outro, com e em acusações por prisões arbitrárias sistemáticas, violações de direitos humanos e promoção da censura por meio de ordens judiciais em prejuízo de empresas com sede nos Estados Unidos e cidadãos americanos no país. A ação da Trump Media & Technology Group, do presidente dos Estados Unidos, e da plataforma Rumble contra o ministro foi apresentada no Tribunal Distrital dos EUA no Distrito do Meio da Flórida, localizado em Tampa.
A Rumble e a Trump Media já haviam apresentado contra Moraes outra ação, alegando que decisões do magistrado configurariam censura ilegal e violação da Constituição e leis americanas. Na época, Moraes havia determinado a suspensão da Rumble no Brasil por descumprimento de ordens judiciais. Uma delas exigia a nomeação de um representante legal no país. Também foram impostas multas e ordens de bloqueio à conta do influenciador bolsonarista Allan dos Santos, investigado por disseminação de desinformação e considerado foragido no Brasil. Segundo a acusação, Moraes, em vez de seguir os canais diplomáticos, teria ordenado diretamente a empresas americanas o bloqueio de perfis e a remoção de conteúdos sem aval da Justiça dos EUA.
A primeira ação foi recusada pela juíza americana sem julgamento do mérito, alegando falta de elementos suficientes para seu prosseguimento. Agora, a nova ação traz mais detalhes e inclui um pedido de indenização a ser paga por Moraes. Tal fato não constava na ação original. Seja como for, essa nova ação é contra o Estado brasileiro, pois ao processar um ministro de nossa Suprema Corte os autores estão processando o Brasil, e isso, pelo direito Internacional, se dá porque Moraes, com suas decisões, agiu como órgão do Estado brasileiro, de modo -ultra vires, segundo os advogados americanos -inclusive quando decidiu monocraticamente. As consequências desse novo processo podem ser de várias espécies: o juiz americano tanto pode decidir que não tem como reconhecer a jurisdição dos Estados Unidos sobre o caso como aceitar a ação, principalmente por ser o atual governo americano considerado protecionista, ultra nacionalista e conservador. Se favorável às empresas autoras, a decisão trará consequências imprevisíveis nas relações diplomáticas entre os dois países.
O cerne da questão está no conflito entre jurisdições. As empresas americanas argumentam que a decisão brasileira produz efeitos extraterritoriais nos Estados Unidos porque a Rumble não possui representante legal no Brasil. Este cenário cria um embate entre as diferentes abordagens dos dois países em relação à liberdade de expressão e responsabilidade das plataformas online. No fundo, as ações visam evitar que as ordens do ministro Moraes sejam cumpridas nos Estados Unidos, e que a corte americana adote providências similares às aplicadas aos juízes do Tribunal Penal Internacional, como congelamento de bens e proibição de entrada no país. Num mundo cada vez mais global e interligado, fica claro que este caso representa um precedente na discussão sobre jurisdição internacional, liberdade de expressão e o papel das plataformas digitais. Seja qual for o resultado, o fato de um ministro do STF ser processado em outro país por abuso de poder e de bloqueio à liberdade de expressão constrange não só o Brasil como todo o Poder Judiciário pátrio.
*Luiz Holanda, advogado e professor universitário.
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