Domingo, 08/06/2025 — O artigo “The End of the Long American Century: Trump and the Sources of U.S. Power”, assinado por Robert O. Keohane e Joseph S. Nye, Jr., publicado na edição de julho/agosto de 2025 da revista Foreign Affairs, apresenta uma análise crítica sobre o segundo mandato do presidente Donald Trump e seus impactos na projeção global dos Estados Unidos. O texto foi publicado em 2 de junho de 2025 e representa uma síntese do pensamento dos autores sobre poder e interdependência, abordando também o legado intelectual de Nye, falecido durante a finalização do ensaio.
A reportagem examina o conteúdo do artigo, destacando seus principais argumentos sobre as estratégias de poder adotadas por Trump e as consequências para a liderança global americana.
A doutrina Trump e a interdependência assimétrica 126w5a
Keohane e Nye, autores da obra seminal Poder e Interdependência: Política Mundial em Transição (1977), retomam o conceito de interdependência assimétrica para analisar as ações do segundo mandato de Trump. O presidente norte-americano, segundo os autores, tem aplicado tarifas, coações e sanções contra parceiros comerciais, acreditando que a dependência de outros países em relação ao mercado americano confere vantagem estratégica a Washington.
“Trump lamenta o déficit comercial com a China, mas também parece entender que esse desequilíbrio dá a Washington uma enorme vantagem sobre Pequim”, afirmam os autores.
Eles observam que a assimetria comercial — com maior dependência dos parceiros em relação aos EUA — oferece, de fato, capacidade de barganha, mas sua utilização desmedida compromete relações de longo prazo.
O soft power como vítima do populismo 723j
Para Keohane e Nye, a maior fragilidade da política externa de Trump reside no desprezo pelo soft power — a capacidade de um país atrair e influenciar por meio de valores, cultura e instituições.
“Trump está ignorando uma fonte fundamental da força americana. A longo prazo, é uma estratégia perdedora”, alertam, lembrando que o prestígio dos EUA historicamente derivou tanto de seu poder militar quanto de sua imagem como nação aberta, democrática e confiável.
Ao ameaçar aliados históricos, retirar-se de instituições multilaterais, cortar financiamento à ciência e enfraquecer a atuação de agências como a USAID, Trump mina pilares centrais do poder brando americano. Essas ações, segundo os autores, transformam os EUA de referência moral para o mundo em ator desconfiável e agressivo.
Globalização como alvo e bode expiatório 571840
A crítica à globalização ocupa papel central na retórica populista de Trump, que a associa à perda de empregos e indústrias nos EUA. Contudo, os autores alertam que as medidas adotadas pelo governo atacam justamente os aspectos benéficos da interdependência internacional, enquanto ignoram as causas estruturais das transformações econômicas, como a automação e a mudança tecnológica.
Keohane e Nye citam o economista David Ricardo e a teoria das vantagens comparativas para defender o comércio internacional como motor do crescimento norte-americano nas últimas décadas. “O ataque de Trump à globalização enfraquece os Estados Unidos”, concluem.
Interdependência inevitável: meio ambiente, ciência e migrações 2o3k54
O artigo também aborda os “problemas sem aporte”, como mudanças climáticas e pandemias, que exigem cooperação transnacional. A recusa do governo Trump em participar de ações coletivas, bem como os cortes em ciência e educação, são vistos como “feridas autoinfligidas” que reduzem a capacidade de liderança dos EUA em temas globais.
Os autores apontam ainda que as redes científicas e os fluxos migratórios, historicamente benéficos à economia americana, estão sob ataque político, o que compromete a renovação da força produtiva e a competitividade do país.
O legado democrático sob risco 6s1l3j
A crítica mais contundente se refere ao desmonte das instituições que promovem os valores democráticos. O fechamento de departamentos dedicados aos direitos humanos no Departamento de Estado e o enfraquecimento da política externa baseada em valores são, segundo os autores, sinais de uma regressão que empobrece o soft power norte-americano.
Keohane e Nye sublinham que a interdependência não pode ser desfeita. Ao tentar reverter o processo global com base em estratégias unilaterais e coercitivas, Trump estaria apostando não na força dos EUA, mas em sua própria fraqueza — enfraquecendo a ordem que mais beneficiou os americanos desde 1945.
Principais categorias e dados destacados: 413h2p
1. Interdependência assimétrica e política comercial
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Trump utiliza a dependência dos países ao mercado americano como ferramenta de coerção.
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Os EUA mantêm relações comerciais altamente assimétricas com:
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China (3:1 em exportações/importações);
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México e ANAS (acima de 2:1);
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Japão (1,8:1), União Europeia (1,6:1), Coreia do Sul (1,4:1);
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Canadá (1,2:1 – mais equilibrado).
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O uso de tarifas como instrumento de barganha se baseia na vulnerabilidade dos parceiros comerciais.
2. Hard power x soft power
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Poder coercitivo: uso de ameaças, sanções e força militar.
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Poder brando: atração cultural, reputação internacional, cooperação científica e diplomacia pública.
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Trump reduz o soft power ao:
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Fragilizar alianças tradicionais;
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Retirar apoio à USAID e Voz da América;
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Enfraquecer normas multilaterais.
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3. Globalização e migração
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Trump adota retórica antiglobalista, associando comércio e migração à perda de empregos.
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Para os autores, globalização gerou benefícios históricos aos EUA:
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Aumento da produtividade;
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Inovação tecnológica;
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Atratividade para imigrantes qualificados.
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Barreiras comerciais e migratórias comprometem a capacidade inovadora do país.
4. Mudanças climáticas e cooperação internacional
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Retirada dos EUA do Acordo de Paris e desinvestimento em ciência climática.
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Negação da interdependência ecológica compromete a liderança dos EUA diante de crises como:
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Aquecimento global;
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Pandemias, como a COVID-19;
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Catástrofes naturais intensificadas.
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5. Soft power e valores democráticos
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Soft power foi sustentado por:
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Cultura americana;
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Direitos humanos;
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Sistema político aberto à dissidência.
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O governo Trump:
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Encerra programas do Departamento de Estado voltados aos direitos humanos;
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Enfraquece o compromisso com instituições democráticas liberais;
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Dificulta o de estudantes estrangeiros a universidades americanas.
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6. Apostas equivocadas na política externa
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Trump aposta no isolamento e no poder coercitivo.
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Ignora que a liderança global requer redes, normas e instituições duradouras.
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Para Keohane e Nye, a estratégia representa uma ruptura com os fundamentos do “século americano”.
Declínio estratégico evitável 632yx
Segundo os autores, a interdependência é inevitável e estruturante para o poder dos EUA. Trump, ao enfraquecer alianças, rejeitar a cooperação multilateral e ignorar o papel do soft power, coloca em risco a ordem internacional e a posição estratégica americana.
“Trump se concentra tanto nos custos da carona dos aliados que negligencia o fato de que os Estados Unidos podem dirigir o ônibus — e, portanto, escolher o destino e a rota”, afirmam.
Quem é Robert O. Keohane 1ro55
Robert O. Keohane é um dos mais influentes teóricos das Relações Internacionais do século XX e início do século XXI, notabilizado por sua contribuição ao desenvolvimento da escola neoliberal institucionalista dentro da teoria das relações internacionais. Nascido em 3 de outubro de 1941, nos Estados Unidos, Keohane construiu sua carreira acadêmica com sólida formação em ciência política, obtendo seu doutorado pela Universidade de Harvard em 1966.
Formação e trajetória acadêmica 4w1i42
Keohane lecionou em algumas das principais universidades norte-americanas, incluindo Stanford, Brandeis, Harvard, Duke e Princeton, onde atuou como professor de Ciência Política e como diretor de programas acadêmicos. Ao longo da carreira, esteve profundamente engajado nos debates sobre ordem internacional, instituições multilaterais e cooperação global.
Obra e contribuições teóricas 6i6r26
Sua obra mais reconhecida é o livro “After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy” (1984), no qual Keohane argumenta que a cooperação internacional é possível mesmo na ausência de um hegemon, desde que existam instituições internacionais que reduzam custos de transação, aumentem a transparência e estabeleçam padrões de comportamento.
Juntamente com Joseph S. Nye, Keohane foi coautor da obra seminal “Power and Interdependence” (1977), que introduziu o conceito de interdependência complexa, contrapondo-se ao realismo clássico ao demonstrar que o poder militar não é o único instrumento relevante nas relações entre os Estados. A dupla propôs uma abordagem mais sofisticada da análise internacional, com ênfase em redes institucionais, regimes e atores não estatais.
Keohane também foi editor da influente revista acadêmica International Organization, ampliando o escopo e o prestígio da publicação dentro da disciplina.
Influência e legado n1h6h
Considerado um dos fundadores da corrente neoliberal institucionalista (ou liberalismo institucional), Keohane foi decisivo para o avanço de abordagens que conciliam uma visão realista do sistema internacional com a crença na importância de normas e instituições. Suas ideias ajudaram a moldar debates sobre governança global, regimes internacionais e multilateralismo, sobretudo após o fim da Guerra Fria.
Ao longo da carreira, Keohane recebeu diversas distinções acadêmicas, incluindo prêmios da American Political Science Association e da International Studies Association. Seu trabalho continua a ser referência obrigatória para estudiosos das dinâmicas internacionais contemporâneas.
Linha do tempo das principais obras de Robert O. Keohane 6o675z
1971 – “Transnational Relations and World Politics” (com Joseph Nye, eds.) 2s2s32
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Contexto: Introdução da análise de atores não estatais nas relações internacionais.
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Contribuição: Enfatiza que as interações internacionais não se restringem aos Estados e que empresas, ONGs e organizações transnacionais afetam a política global.
1977 – “Power and Interdependence: World Politics in Transition” (com Joseph S. Nye) 3k385n
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Conceito-chave: Interdependência complexa.
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Contribuição: Obra seminal que contrapõe o realismo ao demonstrar que as relações internacionais incluem múltiplos canais de interação, com ênfase em cooperação, economia e instituições.
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Impacto: Fundadora do neoliberalismo institucionalista como alternativa ao realismo estrutural.
1984 – “After Hegemony: Cooperation and Discord in the World Political Economy” 6p5tf
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Tese central: A cooperação entre Estados é possível mesmo sem hegemonia, desde que existam instituições internacionais eficazes.
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Conceitos-chave: Regimes internacionais, economia política global, institucionalismo neoliberal.
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Legado: Crítica direta à visão realista de que a ordem depende exclusivamente de um hegemon (inspirado em Robert Gilpin e Charles Kindleberger).
1989 – “International Institutions and State Power: Essays in International Relations Theory” w60s
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Coletânea de ensaios em que Keohane defende que instituições podem modificar o comportamento dos Estados ao influenciar incentivos e restrições no sistema internacional anárquico.
2001 – “Deg Social Inquiry: Scientific Inference in Qualitative Research” (com Gary King e Sidney Verba) 32644
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Contribuição metodológica: Embora voltado à ciência política em geral, o livro promove a rigorosa aplicação do método científico em pesquisas qualitativas, influenciando a metodologia das RI.
2009 – “Power and Interdependence in a Partially Globalized World” 3va59
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Atualização conceitual do trabalho de 1977, revisando os limites e o alcance da globalização e da interdependência.
2011 – “The Regime Complex for Climate Change” (com David G. Victor) 6a1i
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Tema: Governança ambiental global.
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Conceito-chave: Complexos de regimes – sobreposição de instituições que regulam temas específicos como as mudanças climáticas.
Autoridade central na teoria liberal 1k5l1d
Robert O. Keohane consolidou-se como autoridade central na teoria liberal institucionalista, influenciando debates sobre governança global, coerência institucional e a possibilidade de cooperação em ambiente anárquico. Sua obra ultraa a teoria para influenciar o desenho de políticas internacionais e o funcionamento de organismos multilaterais como ONU, OMC e FMI.
Quem é Joseph Nye 3k413w
Joseph Nye formou-se em Ciências Políticas na Universidade de Princeton (1958), obteve bolsa Rhodes para estudos em Oxford e concluiu o Ph.D. em Harvard (1964), onde também construiu a maior parte de sua carreira docente. Foi reitor da John F. Kennedy School of Government em Harvard e membro influente em instituições como a Trilateral Commission e o Council on Foreign Relations.
Além da carreira acadêmica, atuou em postos estratégicos do governo dos EUA. Serviu como:
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Presidente do Conselho Nacional de Inteligência (1993–1994);
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Assistente do Secretário de Defesa para Assuntos de Segurança Internacional (1994–1995) durante o governo Clinton, sendo responsável por temas de segurança global e proliferação nuclear.
Principais ideias e contribuições teóricas 6vr4v
Soft Power 55z64
Nye introduziu o conceito em seu livro “Bound to Lead: The Changing Nature of American Power” (1990), aprofundado em “Soft Power: The Means to Success in World Politics” (2004). O poder brando refere-se à capacidade de um país influenciar outros por meio da atração cultural, valores e legitimidade política, em contraposição ao poder duro, baseado em coerção militar ou econômica.
Interdependência complexa 343x1s
Em parceria com Robert O. Keohane, Nye coescreveu “Power and Interdependence: World Politics in Transition” (1977), obra que estabeleceu a base teórica do neoliberalismo institucionalista. Defendiam que as relações internacionais envolvem múltiplos canais de contato e cooperação, e que os Estados não operam apenas sob lógicas militares e de segurança.
Smart Power 1mz60
Nye também popularizou o termo “smart power”, que significa o uso estratégico e combinado de poder duro e brando para atingir objetivos diplomáticos. Essa ideia ganhou força durante os anos 2000, especialmente sob a presidência de Barack Obama.
Reconhecimento e legado 1g5170
Joseph S. Nye é membro da Academia Americana de Artes e Ciências e foi eleito para a British Academy. Sua obra é amplamente estudada e debatida em cursos de Relações Internacionais em todo o mundo, influenciando formuladores de políticas públicas, diplomatas e acadêmicos. Seus conceitos moldaram o entendimento contemporâneo sobre hegemonia americana, política global no século XXI e os desafios do poder em um mundo multipolar e interconectado.
Resumo biográfico 4r431s
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Nome completo: Joseph Samuel Nye Jr.
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Nascimento: 19 de janeiro de 1937, South Orange (EUA)
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Formação: Princeton (BA), Oxford (MA), Harvard (PhD)
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Principais conceitos: Soft Power, Interdependência Complexa, Smart Power
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Instituições: Harvard Kennedy School, Departamento de Defesa dos EUA
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Principais obras:
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Power and Interdependence (1977, com Keohane)
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Bound to Lead (1990)
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Soft Power (2004)
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The Future of Power (2011)
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Linha do tempo das obras principais de Joseph S. Nye, Jr. 6qq53
1977 – Power and Interdependence: World Politics in Transition 4l1gb
Coautoria: Robert O. Keohane
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Conceito-chave: Interdependência complexa
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Impacto: Fundamenta o neoliberalismo institucionalista, contrapondo-se ao realismo. Argumenta que a política internacional é marcada por múltiplos canais de interação e interesses econômicos compartilhados, não apenas por rivalidades militares.
1990 – Bound to Lead: The Changing Nature of American Power 2x2m5
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Tese central: Rejeita a tese do “declínio americano” e apresenta, pela primeira vez, o conceito de soft power.
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Contribuição: Mostra que os Estados Unidos continuam influentes graças à sua cultura, valores e instituições, mesmo sem recorrer à coerção.
2004 – Soft Power: The Means to Success in World Politics 6z3555
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Obra seminal: Expande e sistematiza o conceito de poder brando.
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Enfoque: Demonstra como a capacidade de atrair e persuadir pode ser tão importante quanto a força militar ou econômica no cenário internacional.
2008 – The Powers to Lead 3d5c25
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Tema: Liderança política e capacidade de influência.
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Conceito-chave: Inteligência contextual — a capacidade do líder de adaptar o uso do poder ao ambiente político.
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Aplicação: Análise de líderes políticos contemporâneos e como combinam poder duro e brando.
2011 – The Future of Power 5v2536
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Tese: Analisa a mudança na distribuição e difusão de poder no sistema internacional.
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Destaques:
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Introduz o conceito de power shift: transição entre Estados (China x EUA).
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Introduz o conceito de power diffusion: dispersão de poder para atores não estatais (ONGs, empresas, indivíduos conectados em redes digitais).
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Relevância: Atualiza a teoria liberal institucionalista ao contexto digital e globalizado do século XXI.
2015 – Is the American Century Over? 3i3830
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Pergunta central: Os EUA perderão a liderança global?
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Resposta: Apesar do crescimento da China, os Estados Unidos mantêm vantagens estruturais em inovação, demografia, alianças e poder brando.
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Síntese: Defesa da continuidade do papel hegemônico americano, mas sob novas formas de poder.
Liberal realista 295w2y
Joseph S. Nye consolidou uma visão liberal realista, na qual o poder militar continua relevante, mas deve ser equilibrado com poder simbólico, legitimidade moral e instituições multilaterais. Suas ideias moldaram a política externa dos EUA nas últimas décadas e são fundamentais para compreender os dilemas do século XXI, como cibersegurança, diplomacia pública e competição geopolítica sem confronto direto.
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